É conhecida a intenção do PS de convocar um referendo sobre o aborto antes das próximas eleições presidenciais. É certo que tal poderá trazer algumas vantagens ao PS. Mas terá também alguns inconvenientes.
Vantagens:
1. Exploração de eventuais interacções entre as duas votações
O referendo sobre o aborto é uma das grandes bandeiras da esquerda. A campanha a favor do sim poderá originar o cerrar de fileiras à esquerda. Dada a proximidade das presidenciais, este cerrar de fileiras poderá ainda fazer sentir-se à data destas eleições. Ou seja, o referendo poderá fixar eleitorado à esquerda, o que poderá ter consequências na escolha presidencial.
2. Dividir as águas
Ao tornar o tema do aborto relevante durante a pré-campanha presidencial, o PS obrigará os candidatos a pronunciarem-se, inequivocamente, sobre este assunto. A posição que estes tomarem poderá ser determinante para o resultado da eleição presidencial. Todos conhecem a posição de Mário Soares. Qual será a posição de Cavaco Silva?
3. Desviar as atenções
É cada vez mais evidente o desgaste do governo, pelo que o PS procurará por todos os meios desviar as atenções da governação até à conclusão do presente ciclo eleitoral. A realização do referendo entre as autárquicas e as presidenciais será benéfica para o PS. Por um lado, ajudará a fazer esquecer eventuais desaires nas eleições autárquicas. Por outro, ajudará a fixar muito do seu eleitorado descontente antes das eleições presidenciais.
Inconvenientes:
1. Divisão do centro
Como qualquer outra eleição, as presidenciais irão ser ganhas ao centro, que é onde a divisão sobre o aborto é maior. O problema de Mário Soares é estar actualmente demasiado à esquerda. A esquerda está ganha, o centro é que é incerto. Se fizer uma campanha muito activa pelo sim, Mário Soares poderá cativar parte do centro, mas acabará por afastar grande parte do eleitorado fundamental para a sua vitória.
2. Conflito de naturezas
O tema do aborto gera sempre discussões acaloradas e com tendência para a radicalização. O perfil presidencial desejável vai no sentido oposto: quer-se para presidente alguém que seja um moderador e gerador de consensos. Ou seja, o envolvimento excessivo de um candidato no referendo poderá comprometer a sua imagem de presidenciável.
3. O tema
É verdade que o referendo sobre o aborto pode contaminar a eleição presidencial. Mas a inversa também é verdadeira. O aborto é um tema suficientemente sério para ser discutido de per si, sem interferências de outros assuntos que poderão deturpar o resultado do referendo.
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